Notícia no Ato

Silvio: o homem de fé e a sua marca literal de amor a Jesus no alto da cruz da capelinha

“Paz e Bem”. Com as palavras abençoadas ditas por Frei Silvério em suas aparições e pelo rádio, o servidor público manifesta seu desejo para Lages se tornar uma cidade cada vez mais progredida e amada por quem nela vive

Aquele senhor no alto do Morro da Cruz, de uniforme azul com barba e cabelos grisalhos, tem as mãos sofridas de trabalhador e um orgulho que não cabe no peito, supera qualquer dor física da labuta diária. De pouca prosa, mas objetiva e coesa, e uma memória de dar gosto, Silvio Pereira Motta, cerritense de nascença e lageano de coração, teve um dia especial na sua vida nesta semana. Ele era um daqueles quatro operários que construíram cada parte da capelinha do simbólico Morro da Cruz e a estrutura da Santa Cruz 19 anos atrás, marco da fé fervorosa de católicos ao longo das celebrações da Semana Santa, data em que as mentes e as vozes se silenciam em reflexão à Paixão e Morte de Jesus Cristo.

Silvio, em um dia da operação especial de restaurações dos locais para recepção dos fiéis da Sexta-Feira Santa, 19 de abril, se deparou com uma grata surpresa, ao subir os degraus da escada de serviço e andar cuidadosamente pela cobertura da capela (que este ano ganhou uma cor mais clara, a branca), acessou a cruz ao centro e visualizou a assinatura feita em 2000 na conclusão das obras do complexo religioso mais visitado de Lages: um costume seu é deixar seu nome escrito em seus feitos e lá estava, praticamente intacta, feita com um pedaço de madeira: SILVIO 2000.

O olho chega a brilhar quando bate no peito e fala do orgulho em ter ajudado a preencher estas páginas da história de Lages, que em 2019 completa seus 253 anos de fundação. “As obras da capela e da Santa Cruz foram empreitadas com a gente. Eu era autônomo na época. Estava fazendo uma casa no Centro, atrás da Catedral e meus colegas me visitaram em casa no bairro Santa Rita, levando o projeto, e perguntaram se eu tinha interesse. De pronto aceitei. Éramos em quatro no canteiro. Fizemos a capela inteira, com altar para celebrações e missas, e o poço da Cruz, que é uma caixa com 20 centímetros além do tamanho da Cruz, aí é feito um buraco, chumbado e concretado, e largada a Cruz direto no local. O prazo era de 90 dias e entregamos esticadinho. Eram R$ 6 mil ou R$ 8 mil de mão de obra e a prefeitura fornecia o material. Tudo foi feito com concreto armado, não tem nenhum tijolo aí, e inaugurado na preparação da Semana Santa daquele ano de 2000, quando também se comemorou a inauguração da escadaria Frei Silvério, com 513 degraus, e os 500 anos de Descobrimento do Brasil”, explica, minuciosamente, o homem formado na faculdade da vida, lamentando a morte súbita do confrade e pároco da Igreja Nossa Senhora do Navio, Frei Silvério Webber, de infarto fulminante, aos 54 anos, em 4 de março de 2000, às vésperas das inaugurações. “A Escadaria foi feita pela turma do Zé Nobre, ex-funcionário aposentado da Secretaria de Obras, e que hoje mora no Santa Helena”.

Silvio, de credulidade tradicional e ao mesmo tempo conectado às redes sociais e ao afeto pela família

Aos 58 anos, Silvio escolheu Lages para escrever sua história de vida desde os 12 anos de idade. De lá para cá prosperou. Constituiu família e atualmente está separado e mora no bairro Popular. Pai de três filhos homens com 34, 22 e 14 anos, é avô coruja de três netos também rapazes. “Eu tenho foto no meu Facebook com o filho mais velho aqui pertinho na obra junto comigo. E hoje minha foto de perfil no WhatsApp é aqui da Capela com os banners dos santinhos ao fundo. Na época das edificações eu era bem casado e tinha uma relação mais próxima a Deus. Gosto tanto de ter dado minha contribuição aqui. Meus filhos gostam e contam aos amigos sobre o pai ter trabalho no Morro da Cruz, bairro Morro Grande. Quem não gostaria de ter um dedinho aqui, ‘né’?”, questiona, ao lembra, ainda: “Adoro meu trabalho e tenho registros do meu oficio de manutenção espalhados pela cidade. Chama mais a minha atenção da Gruta dos Irmãos Canozzi, na localidade Km 14, onde fazemos limpeza e pintura, a reestruturação de 30 túmulos destruídos no Cemitério Cruz das Almas em 2018, depois de atos de vandalismo, conseguimos deixar 90% do que era, e a conservação das taipas no Cemitério Nossa Senhora da Penha.”

Servidor público municipal efetivo desde 2011 na Secretaria de Serviços Públicos e Meio Ambiente, como operador de máquinas leves, faz também a coordenação de manutenção na cidade, portanto, Lages é imensa para tanta coisa a ser feita todos os dias. Antes trabalhou transportando toras de madeira em caminhões e tocava obras de construção civil, foi quando adquiriu bagagem para ser um profissional experiente e de referência.

Mas ele sobe os 513 degraus da Escadaria?

Em 2018 Silvio estava na escala de trabalho pela manhã, mas à tarde subiu cada degrau da Escadaria e fez sua parte no processo intimista, refletiu sobre a vida. Faz oito anos que praticamente não falha de trabalhar no feriado, e o faz por prazer e amor a Lages. Em 2019 pretende aproveitar a folga e descansar numa viagem à praia de Balneário Rincão, Sul do Estado.

No carro, a proteção divina e sensorial

Apesar de se assumir um católico não praticante, Silvio mantém costumes de crença no cristianismo e a imagem de Nossa Senhora Aparecida é sua companheira inseparável dentro do seu carro particular, uma firmeza de proteção nas andanças pela estrada.

Geralmente, ele está de plantão no Morro da Cruz no feriado de Sexta-feira Santa, inclusive na manutenção de água com sob e desce ao Morro, mas é inevitável a “escapadinha” para fazer suas orações de penitência e de agradecimentos. “A ressurreição é para toda a humanidade, de dentro para fora. Hora de enxergar as coisas boas, do autoexame de consciência”, confessa o servidor, que não abre mão do peixe no cardápio do almoço às sextas-feiras dos 40 dias da Quaresma.

Saudade e ensinamento do pai, amor de mãe e o irmão parceiro

As famílias ensinam às crianças, desde a mais tenra idade, a se ajoelhar perto da cama antes de dormir e agradecer pelo dia, e ao levantar no dia seguinte, pedir por calmaria e êxito nas decisões. O pai de Silvio, Dário da Silva Mota, tem 78 anos e mora em Pinheiro Ralo, interior de São José do Cerrito. Hoje bisavô, também passou por esta fase tão marcante na vida de um ser humano adulto. “Eu tenho três netos meninos, de 12, oito e dois anos. Lembro do meu pai e da minha mãe com as histórias de aprendermos as primeiras orações, a Ave Maria. É o que procuro fazer sempre com meu netinho de oito anos”, revela Silvio, que já não tem mais a mãe neste plano com ele, a Zenita Terezinha Pereira Mota. “Ensinar a rezar é um gesto de amor que levamos para sempre dentro da nossa vida.”

Silvio é o mais velho de oito irmãos e uma feliz coincidência faz os dias dele mais alegres no Morro da Cruz. O irmão caçula, Alexsandro Pereira Mota, de 33 anos, é contratado pela prefeitura e está no Município desde 2014. O carinho entre os dois é nítido e o serviço desta sexta-feira (12 de abril) teve uma trégua para que os dois admirassem a vista da cidade lá do alto e dessem um abraço em frente à capela, neste clima de Páscoa e de conciliação.

Trabalho intenso no Morro da Cruz

A exatamente uma semana da Sexta-Feira Santa, o Morro da Cruz recebe uma série de benfeitorias para recepcionar os milhares de visitantes e turistas que estarão em Lages para ver seus familiares e confraternizar. Pinturas nos degraus da Escadaria, corrimãos e meios-fios, e restaurações. Falta pintar o chão da capela e nesta sexta estavam em manutenção os banheiros públicos. Nos banheiros é feita a troca de torneiras e instalação de uma nova caixa de carga e descarga, pois a anterior acabou sendo furtada do local.

Os serviços serão estendidos neste sábado (13 de abril) para dar tempo de entregar o complexo completamente em dia para os visitantes. O caminho de estrada de terra, na lateral do Moro também recebeu melhorias, entre elas a renovação da pintura das cruzes que marcam as fases da Via Crucis. O plantio de flores é feito mais próximo à data dos eventos, aos quais estão incluídas as encenações da paixão de Cristo, pelo Movimento do Tabor. No local é possível acompanhar a exposição do memorial Frei Silvério.

Texto: Daniele Mendes de Melo/ Fotos: Nathalia Lima

Achou essa matéria interessante? Compartilhe!

Deixe um comentário