Notícia no Ato

1ª mesa de debates expõe panorama e aponta medidas para fortalecer o enfrentamento à violência contra a mulher em Lages

A Procuradoria Especial da Mulher da Câmara de Lages realizou a primeira mesa de debates sobre a situação da violência contra a mulher no dia 25 de junho. Os participantes expuseram as medidas públicas que estão sendo adotadas para o enfrentamento do problema desde que Lages foi evidenciado nacionalmente, pelo Mapa da Violência 2012, como um dos municípios mais violentos do país em crimes contra a mulher. Além disso, apresentaram sugestões de fortalecimento às políticas públicas na área como a efetivação permanente da Secretaria de Políticas para a Mulher e a criação de um fórum ou de um observatório específico em relação ao tema.

Quem deu início às discussões foi a procuradora Suzana Duarte (Cidadania), a qual observou que desde a instauração da Procuradoria Especial, no dia 8 de março deste ano, as componentes têm buscado ideias e ferramentas para aprimorar a rede de enfrentamento ao problema. “Foi um grande passo dado por esta Câmara para com a nossa sociedade e que nos dá a possibilidade de promover essas discussões. (…) A maior dificuldade é tirar a mulher da situação de vulnerabilidade, com este objetivo, iniciamos esta conversa para que juntos possamos buscar formas de atender amplamente as mulheres nesta condição”, disse.

A vereadora citou os dois casos recentes de feminicídios ocorridos em Lages para ressaltar a urgência na adoção de medidas que minimizem a incidência desses fatos. Suzana destacou ainda a necessidade de fortalecimento nos trabalhos da Secretaria de Políticas Para a Mulher e da Rede Catarinas, da Polícia Militar. “A gente sabe que a partir do momento em que as mulheres se sentem encorajadas, elas denunciam. Com esta proteção, o homem também reluta na agressão. Se nós tivermos esse trabalho de diálogo com a mulher e, principalmente, com o homem, o quadro de violência vai diminuir”, aponta.

               Procuradora-adjunta, Elaine Moraes (Cidadania) apresentou uma série de questionamentos aos presentes sobre as políticas públicas promovidas para a área em Lages. Ela também comemorou o fato de que logo entra em discussão na Câmara o projeto de lei 079/21, de sua autoria, que estabelece prioridade na matrícula e transferência de crianças e adolescentes que estejam sob a guarda de mulheres vítimas de violência familiar e/ou doméstica nas unidades escolares do município.

Elaine defende que a Secretaria de Políticas para a Mulher se torne uma pasta permanente no município e pretende viabilizar, junto das demais vereadoras de Lages, formas de fazer com que as ações desenvolvidas pela Secretaria sejam transformadas em leis, o que garantiria sua previsão orçamentária e sustentabilidade. “Precisamos criar um fórum para definirmos juntos as ações. Temos a Casa Legislativa de portas abertas e com a força das organizações que estão conversando conosco, vamos buscar recursos para fortalecer a rede de enfrentamento a esta situação”.

Membro da Procuradoria Especial da Mulher, Katsumi Yamaguchi (Progressistas) celebrou a coincidência de o evento ser realizado no dia 25, já que desde 2019 tal data é celebrada em Lages como o Dia Laranja pelo Fim da Violência contra Mulheres e Meninas, em ato instituído pela lei 4381/19, originária de uma proposição do atual presidente da Casa, Gerson Omar dos Santos (PSD). Ela também disse considerar como maior legado da administração Ceron/Polese a implantação da Secretaria Municipal de Políticas para a Mulher em 2017.

Também presidente da Escola do Legislativo da Serra, Katsumi revela que, através desta representação, tem se reunido com um coletivo feminino para a construção de um fórum que reúna e compile todos os dados referentes à violência contra a mulher em Lages. Nesta linha, a vereadora é responsável pela moção legislativa 284/21, que sugere à Prefeitura a elaboração do Dossiê Mulher Lageana, de estatísticas periódicas sobre as mulheres atendidas pelas políticas públicas no município.

Ainda sobre a Escola, Katsumi disse que no segundo semestre deste ano vai acontecer a articulação do programa Parlamentar Jovem e que uma de suas metas é incrementar tal iniciativa com o Parlamentar Jovem Mulher, de modo a incentivar a participação das adolescentes de Lages em todos os espaços de poder, sobretudo na Casa Legislativa. A vereadora também prometeu conversar com a presidência da Câmara para que parte dos recursos economizados pelo Legislativo neste ano seja destinada para a capacitação do grupo de facilitadores da Justiça Restaurativa, que atuam na resolução de conflitos familiares e domésticos, principalmente com os homens autores de violência.

Para entrar em contato com a Procuradoria Especial da Mulher, basta ligar no telefone da Câmara (49) 3251-5422 ou pelo e-mail procuradoria@camaralages.sc.gov.br

Secretaria de Políticas para a Mulher de Lages é pioneira em Santa Catarina

Dentre as autoridades convidadas a participar dos debates, a primeira a se manifestar foi a secretária municipal de Políticas para as Mulheres, Marli Nacif. A referidapasta atende a demandas espontâneas – quando é a própria mulher que procura o serviço, encaminhamentos da rede de atendimento e denúncias feitas pela comunidade, diante dos quais a equipe se dirige ao local para realizar o atendimento. “É um trabalho de coração, corpo e alma, pois queremos ver essas mulheres donas de seus destinos, de suas vidas. Sabemos que nós podemos, é só querermos. Temos condições, somos tão inteligentes, capazes e responsáveis quanto os homens, só precisamos dar um novo rumo às mulheres agredidas”, analisou.

Marli reforçou o cuidado que a pasta tem para garantir o sigilo das denúncias como forma de dar a confiança necessária para que mais mulheres possam procurar o serviço e elogiou seu grupo de trabalho. “É uma equipe que tem garra, força e que trabalha em rede com a Polícia Militar, o Conselho dos Direitos das Mulheres, com as secretarias da Educação, da Saúde, da Assistência Social. Se não tivéssemos toda essa equipe trabalhando junta, muita coisa a gente não resolveria. É um trabalho de 24 horas e que já andou muito, pois começamos do zero. Não havia outra secretaria da mulher aqui perto, nenhuma outra em Santa Catarina”, declarou.

A secretária falou também sobre o serviço disponibilizado pela Casa de Apoio, onde são acolhidas as mulheres vítimas da violência e seus filhos até 18 anos, em uma permanência de até seis meses, mas que pode ficar mais tempo se a mulher não puder ser encaminhada para outra casa (ou de parentes) e se esta for a vontade dela.

Independência financeira das mulheres e atendimento psicológico aos agressores são medidas que podem mudar a situação

Alguns pontos são considerados delicados: um deles é a dependência financeira que faz com que parte das mulheres não consiga se dissociar dos homens agressores, principalmente quando há filhos por temerem não ter condições de sustentá-los ou onde vão morar, por exemplo. Outro ponto mencionado é a violência contra as idosas, que são maltratadas por filhos ou netos, seja fisicamente ou no aspecto financeiro, mas tementes de ficarem sozinhas ou por sua própria integridade física, acabam por não apresentarem denúncias. O uso de drogas também é um grave problema. Segundo Nacif, cerca de 80% dos casos de agressões são decorrentes disso.

Uma forma de reparar esta situação é a colocação das mulheres vítimas da violência no mercado de trabalho, em uma parceria com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico. “Já estivemos com a CDL e fomos muito bem recebidos. As mulheres têm que querer, claro, infelizmente a maioria não tem o ensino fundamental completo, mas algumas já estão trabalhando e vamos em frente com isso, articulando cursos de capacitação e qualificação junto com a Uniplac”, conta a secretária.

Outro trabalho que está iniciando é o atendimento aos homens agressores, algo difícil, segundo Nacif, mas necessário para a superação do problema. “A gente tem conseguido ter um bom diálogo. Temos casos graves, por muito pouco, até nós mesmos corremos o risco de apanhar também, mas a maioria conversa, discute, apresenta suas razões e a gente vai questionando”, disse. Quanto aos feminicídios ocorridos recentemente, ambos não eram do conhecimento da Secretaria de Políticas para as Mulheres. “Adivinhar a gente não pode, por isso pedimos que os vizinhos denunciem, é anônimo, ninguém vai ficar sabendo”, clama Marli, que conta que a pasta já entrou em contato para oferecer apoio à mulher que sobreviveu no primeiro dos ataques.

Os contatos da Secretaria da Mulher são via telefone (49) 3019-7454 e e-mail politicadamulher@lages.sc.gov.br

Desde 1997, o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher tem contribuído para o empoderamento das lageanas

Dar condições para que as mulheres violentadas possam se sustentar por conta própria é uma das alternativas para o enfrentamento desta situação. O Conselho dos Direitos da Mulher tem desenvolvido um curso profissionalizante para mulheres em vulnerabilidade no bairro Dom Daniel. “Elas foram alfabetizadas, ganhamos máquinas de costuras e tecidos e no ano de 2019 elas confeccionaram mil bolsinhas para carros”, disse Vera Lucia Vargas, presidente do Conselho.

Entretanto, a situação de pandemia fez com que muitas mulheres deixassem seus trabalhos para cuidar dos filhos. Segundo Vargas, estas mulheres precisam ser incentivadas a se reinventar. “Temos parcerias com o Fórum das Entidades, com o Fórum Mercosul de Mulheres e com estes grupos estamos buscando alternativas. Quando nos procuram, encaminhamos para a Secretaria de Políticas para a Mulher, que dispõe de assistência social e psicológica para as mulheres que precisam. O primeiro passo é se empoderar”, afirma.

Instituições têm papel fundamental para promover a igualdade de oportunidades às mulheres

Para o juiz da 2ª Vara Criminal de Lages, Alexandre Takaschima, a violência de gênero é institucional, estrutural, fruto direto da sociedade patriarcal. Como forma de mudar essa cultura, ele acredita ser necessário que as instituições façam sua parte em relação à igualdade de oportunidades. “Podemos criar espaços de visibilidade e empoderamento para as mulheres e ressignificar todas as nossas estruturas. O Fórum de Lages, por exemplo, poderia destinar 50% das vagas de estágio às mulheres (…) Temos que nos organizar enquanto órgãos governamentais e não-governamentais da sociedade civil para pensarmos em um planejamento estratégico em relação às atividades, metas, eventos, capacitações, sustentabilidade e que estes tenham continuidade”, argumenta.

O juiz considera a implantação da Secretaria de Políticas para a Mulher um marco para Lages, assim como os três anos de atuação da Rede Catarinas, da PM, mas admite que deve ser feito muito mais para que novos frutos sejam colhidos. “Sinto uma grande necessidade de repensarmos o nosso funcionamento como rede, e talvez a Câmara de Vereadores possa trazer essa sinergia que precisamos para conectar todas estas instituições. (…) Precisamos criar acessos para que as pessoas que queiram auxiliar nas políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher possam participar. Quem não está dentro das instituições fica em dúvida quanto a isso, então devemos nos organizar para facilitar este acesso”.

O recém-criado Observatório Estadual da Violência Contra a Mulher é uma ação comemorada por Takaschima, que acredita que a construção de um aparato público similar no município seria um grande avanço para centralizar os dados de todos os órgãos vinculados a este tema. “Política pública se faz em cima de dados, não de achismo. É necessário traçar um perfil dos homens que praticam o feminicídio, a idade destes, a escolaridade, o bairro, de onde vêm. O Observatório pode compilar tais informações”, diz.

Takaschima também falou sobre o projeto de estruturação da Rede de Proteção e Enfrentamento às Violências Contra as Mulheres, executado com verbas federais do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e do qual estão sendo capacitados 40 facilitadores em um curso de formação de 210 horas/aula para a atuação em questões de gênero, justiça restaurativa e metodologias de trabalho com grupos reflexivos para com os homens autores de violência. “Ano passado houve a inclusão deste aparato psicossocial como forma de medida protetiva de urgência. O que estamos fazendo é botar em prática o que a lei determina”, diz. No entanto, o juiz lembra que o orçamento previsto garante três anos de trabalhos, a partir disso, não há sustentabilidade para a ação. “Precisamos ser assertivos de que não há política pública sem dinheiro”.

               Rede Catarinas, da Polícia Militar, faz o acompanhamento de 96 mulheres vítimas de violência

Coordenador das redes preventivas do 6º Batalhão de Polícia Militar, o capitão Borges falou do trabalho realizado pela Rede Catarinas, que faz o acompanhamento de 96 mulheres com histórico de violência doméstica em Lages. “Tem mulher que já visitamos 20 vezes, também falamos com o acusado, orientamos, relatamos ao Judiciário para que tomem medidas, é um programa preventivo que vem dando muito certo. É realizado por uma dupla, o sargento Oliveira e a soldado Camila, que têm feito um trabalho excepcional”, elogiou o oficial, que afirmou que a corporação tem planos de ampliar este atendimento.

Operacional humano desta atividade, a soldado Camila falou que a PM, em geral, atende muitas ocorrências de violência doméstica, mas no momento da autuação, os policiais não têm condições de dar toda a assistência devida às vítimas. Pensando nisso é que a Rede Catarinas foi criada. “Nós fazemos uma visita a estas mulheres, entramos em suas residências, ficamos em separado com a vítima para deixá-la à vontade, acolhida, para que possamos entender o que ela precisa e resolver um conflito em que a mulher não consegue reagir. Ouvimos relatos de que elas se sentem encorajadas com este apoio, de que não estão sozinhas”, esclarece.

Além de um contato direto via WhatsApp com estas mulheres, a guarnição as orienta a baixar e fazer uso do aplicativo Botão do Pânico para que sejam atendidas o mais rápido possível em situações que não tenham tempo de ligar para a polícia. “Às vezes, a vítima é abordada, pega de surpresa, mas se ela clicar nessa opção, o chamado vai chegar à Polícia Militar e ela vai ser atendida. Dentro do aplicativo, ela também pode solicitar uma visita preventiva, o que é importante para as mulheres que nunca fizeram denúncias ou não solicitaram medidas protetivas”, explica Camila.

Gecal aponta avanços dos últimos anos e apresenta propostas para aprimorar o enfrentamento à violência contra a mulher

A última convidada a fazer uso da palavra foi a coordenadora do Grupo de Pesquisa em Gênero, Educação e Cidadania na América Latina (Gecal), Mareli Eliane Graupe, que traçou um panorama das ações realizadas na prevenção e enfrentamento das violências de gênero contra as mulheres nos últimos seis anos em Lages. Citou as 12 audiências públicas realizadas nos bairros em 2015 pela Frente Parlamentar pelo Fim da Violência Contra a Mulher, da Câmara de Vereadores, que resultou na elaboração da cartilha “Viver sem Violência – um direito das mulheres lageanas” e no concurso “Lages Viver sem Violência”, com a participação de estudantes da educação básica até o ensino superior, ações que considera um marco na história do município.

Em março de 2015 houve a promulgação da Lei do Feminicídio no Brasil. Em 2017 foi criada a Secretaria Municipal de Políticas para a Mulher, 20 anos após a formulação do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher. Em 2018, o Pacto Estadual Maria da Penha foi aprovado em Santa Catarina e em março de 2021 aconteceu a criação do Observatório Estadual da Violência Contra a Mulher. Outro destaque, segundo Graupe, foi a aprovação da lei 14.164, de 10 de junho de 2021, que altera a Lei de Diretrizes Básicas da Educação e inclui conteúdo sobre a prevenção da violência contra a mulher nos currículos da educação básica, além de instituir a Semana Escolar de Combate a Violência contra a Mulher.

A coordenadora do Gecal também ressaltou a responsabilidade da Procuradoria Especial da Mulher para com a institucionalização das políticas públicas locais, principalmente na forma de garantir recursos para sua efetivação. “A ONU declara que a violência contra as mulheres é uma violação aos direitos humanos. O Ministério da Saúde aponta a violência contra a mulher como um problema de saúde pública, ou seja, há formas de se buscar este recurso. (…) Pessoas capacitadas em Lages nós temos, precisamos é de orçamento”, alerta Marile.

Entre as propostas sugeridas por ela estão: criação de um programa municipal de prevenção e enfrentamento às violências de gênero para abrigar diferentes instituições; instituição de um fórum de prevenção e enfrentamento às violências de gênero contra as mulheres; elaboração de um planejamento estratégico com a participação de representantes das instituições ligadas à causa; instituição por lei de grupos reflexivos para os homens; reativação do Observatório de Violências de Gênero na Uniplac ou a criação de um novo com maior amplitude para registro e construção de um banco de dados com informações da Educação, Saúde, Segurança Pública, Secretaria de Políticas para a Mulher, Dpcami e 2ª Vara Criminal; fortalecimento da rede de prevenção que já existe em Lages e que trabalha diretamente no atendimento às pessoas; institucionalização de toda esta rede de proteção através de lei, com a previsão de recursos financeiros e humanos.

Confira o vídeo completo desta reunião em nosso canal no YouTube:

Fotos: Alex Branco (Câmara de Lages)/Everton Gregório – Jornalista

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